O corpo como laboratório experimental

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Uma exposição em que o corpo é o objeto de arte. E não estamos falando de um corpo qualquer. Na mostra inédita “Letícia Parente”, que esteve em exibição no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM), a obra da baiana, uma das pioneiras da videoarte no país, chama a atenção pela utilização que ela faz de seu corpo, colocando-o como suporte para a sua produção. Na maioria das vezes, Letícia Parente (1930-1991) construía seu trabalho a partir do próprio corpo e acabava por criar uma relação/fusão entre ele e sua arte. Com curadoria da também artista Kátia Maciel e de André Parente, filho da homenageada, a exposição traçou um panorama da produção da videoartista, nos anos 70.

Letícia Parente se utilizava de diversas plataformas em suas criações. Vídeos, instalações, fotografias, pinturas, performance, tudo era instrumento para ela se expressar. A mostra focou na produção audiovisual da artista, e em peças mais emblemáticas e que reúnem características experimentais que, na época que foram realizadas, denotavam pioneirismo.

A exposição foi dividida em dois ambientes: no salão principal, eram exibidos cinco vídeos, entre eles ‘Preparação I’, em que a artista cobre a boca e os olhos com esparadrapos e então, por cima da fita, desenha novos órgãos, numa alusão à sua condição feminina. Em ‘Preparação II’, a artista autoinjeta vacinas contra temas intoleráveis, mas presentes na sociedade. Em francês, ela assinala um cartão de vacinação com os dizeres ‘anticolonialismo cultural’, ‘anti racismo’, ‘anti mistificação política’ e ‘anti mistificação da arte’. No emblemático ‘Marca Registrada’, Letícia costura a frase ‘Made in Brasil’ na sola do pé. Enquanto os vídeos eram exibidos, uma voz saltava das caixas de som recitando ‘eu armário de mim’, repetidamente.

Na capela do Solar do Unhão, estavam em exibição fotografias e o vídeo ‘De Aflicti – Ora Pro Nobis’, de 1979, em que mãos e pés entrelaçados aparecem e desaparecem da tela sem aviso, conduzidas por uma oração que repetia ‘ora pro nobis’.

Com forte teor político e social, dada a época em que foi desenvolvida, a obra de Letícia Parente é crítica, transgressora e trata de questões do cotidiano, que permeiam o dia a dia do indivíduo, e das relações travadas consigo mesma e com os outros, mas de uma maneira subjetiva e pautada nas experimentações.

O trabalho de Letícia Parente não é superficial, provoca e deixa marcas, talvez não tão visíveis quanto as cicatrizes de uma agulha, deixadas na pele, mas nos faz refletir acerca da proposta e métodos escolhidos por ela para se expressar, e o que seu legado e pioneirismo representaram para a arte brasileira.

Texto: Júlia Freitas

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